terça-feira, 24 de maio de 2011

Falando de ética

Que ironia, não?! Em meu último post eu estava justamente falando sobre pré-conceitos e o que acontece comigo? Sou vítima desse mesmo sentimento.

Para mim, sofrer com o racismo não é nenhuma novidade. Aprendi o que era isso na escola. Demorei a entender, mas, aprendi. Quando era mais nova, eu tinha uma diretora que, do meu grupo de amigas, ela só pegava no meu pé. Tudo que eu fazia estava errado, tudo que eu falava era feio, toda vez que ela me via tinha um olhar de reprovação. Ela chegou ao cúmulo de, numa ocasião que eu e uma amiga fomos pegas colando, ela chamar nossos pais, mas, para o meu, disse que eu seria reprovada. Sorte a minha te-lo do meu lado e passei a ser ainda mais fã dele quando rasgou prova, jogou na mesa dela e disse: “se ela não passar a gente conversa” e saiu da sala, sem dar a mínima para mais aquela atitude dessa diretora racista que pegou no meu pé por alguns anos antes que eu mudasse de unidade na escola.

Pois bem, anos depois fui visitar uma amiga no Leblon e o porteiro me mandou subir pelo elevador dos empregados. A mãe dela teve que interfonar para interferir.

Passou um tempo e sofri preconceito em uma empresa que trabalhei. O chefe me disse que, para ser produtora já era difícil sendo negra, sendo gorda nem pensar.

Mais uns anos e sofri preconceito numa festa de formatura que o final foi hospital e eu com muitos pontos pelo corpo por conta de uma briga que começou pelo fato de uma negra estar em “festa de branco”.

Passou um tempo e fui para a Austrália, onde fui expulsa de uma loja por ser negra.

E isso tudo é só um resumo das experiências que mais me marcaram. Depois disso tudo, da maturidade e da segurança que adquiri com ela, não admito mais esse tipo de atitude e azar o da pessoa que ousar me diminuir pela minha cor. Pois bem, na última sexta-feira aconteceu novamente.

Não tão diretamente como nos fatos que acabo de relatar, mas, que mexeu diretamente comigo e com minha moral.

Meu chefe veio até minha sala para uma reunião e, observando os fios que estavam soltos e bagunçados embaixo da mesa por conta de tantas ligações de computador, impressora, etc, disse, ao falar que era para chamar os meninos do operacional para acertar: “Chama os porcos para fazer trabalho de branco”.

Não sei como eu me segurei para não falar nada na hora que ele disse isso, mas, friamente, esperei ele ir embora e eu me acalmar para escrever um e-mail pedindo retratação e respeito. Ia fazê-lo só na segunda-feira seguinte, com os ânimos menos exaltados, mas, ele provocou. Me ligou pouco depois para falar de um documento e quis me dar uma aula de ética.

Todo sentimento ruim de raiva que me tomou ao ouvir o que ele disse sobre “trabalho de branco” voltou e mandei o e-mail que copio abaixo.

O RH me chamou para conversar no dia seguinte e disse que nunca tinha acontecido. Explico: porque nunca tiveram um negro com atitude. E digo mais. Não admito que diminua nem a mim e a minha raça e ponto.

Antes de copiar o e-mail aqui, deixo um pedido aos meus irmãos de cor. NUNCA deixem que nos diminuam. Aliás, deixo esse pedido a todas as pessoas que sofrem preconceito. Aos negros, aos gordos, aos ruivos, aos gays, aos velhos, aos portadores de algum tipo de doença. NUNCA deixem que ninguém interfira para que vocês sejam felizes, nunca deixem que NINGUÉM diga que você não pode, em hipótese alguma, permita que alguma coisa te deixe pensar que você é pior do que outra pessoa. Temos que nos impor e acreditar que somos os melhores, que somos lindos, poderosos e que podemos, sim, mudar a cabeça da sociedade.

Para os preconceituosos que me lerem – sei que tem – só tenho a lamentar pelo tempo perdido em fazer julgamentos e me ofereço para um papo caso precise de ajuda.
Fiquem com meu e-mail e meu desejo de amor.

Beijokas, Luka

sex 20/05/2011 18:05
Prezado Chefe (melhor resguardar o nome né?!),
Eu já estava com um e-mail pronto que iria mandar só na segunda-feira, com mais calma, para ter certeza de que deveria realmente enviar, mesmo sabendo que por uma questão moral eu deveria já te-lo feito.
Porém, diante do que acabei de ouvir sobre ética não acredito que tenha problema em me abrir com o senhor, seguindo seu discurso para mim no telefone sobre o que é ética e ser ético, principalmente a parte do “falar a verdade”.
Hoje quando o senhor esteve aqui, fez uma observação sobre o trabalho, segundo o senhor, mal feito dos meninos com relação aos fios dos equipamentos aqui da sala do departamento comercial e fez uma observação muito infeliz que atingiu diretamente a mim.
Ao falar que os meninos deveriam fazer um trabalho melhor, disse: “Chama os porcos pra fazer trabalho de branco”.
Gostaria aproveitar o momento em que estamos falando dessa ética para pedir que o senhor aja com tal ao falar comigo ou da minha raça. Estávamos diante de testemunhas como Leticia e Juliana e eu não precisava, realmente, ouvir isso. Gostaria de aproveitar o momento para dizer que sou negra e desde sempre aprendi que cor ou raça não diferem ninguém e fui muito bem educada pelos meus pais a lhe dar com o próximo. Eu não tenho nada haver com seus preconceitos contanto que não atinja a minha moral.
Copio Juliana e Letícia, que estavam de testemunha para que não soe como mentira.
Sendo assim, peço que pensemos sobre essa ética ao tratarmos um ao outro e os nossos próximos.
Desejo um bom final de semana para o senhor,
Luana de Jesus

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Vergonha de mim

O trem estava lotado. O espaço que consegui não seria o suficiente para mim, meu livro aberto e minha mochila. Optei por continuar lendo e coloquei a mochila no chão, entre meus pés. À frente dela um menino que aparentava ter, no máximo, 12 anos. Estava agachado, parecendo tentar escapar daquela multidão e, claro, descansar. É só um menino. Cheguei a questionar, conversando comigo mesma, porque a mão não o teria deixado sentar no seu colo.

Pois bem, receosa, virei a mochila de modo que o fecho aclair ficasse bem próximo da minha perna e eu sentiria, caso o menino tentasse mexer. Não me senti culpada por isso. Infelizmente, nossa história em sociedade me permite essa autodefesa (queria eu poder viver sem desconfiar das crianças!). Segui viagem e depois da 3° estação desencanei. O menino mal olhou para o lado.

Na última estação antes da minha vez de descer, a moça que, antes, eu pensei ser a mão daquele menino se levantou e saiu do trem. Rapidamente o menino tomou seu lugar e, na mesma velocidade, acho que viu que teria que dar a preferência para outras pessoas. Olhou em volta, escolheu uma senhora e perguntou: “A senhora quer sentar?” e a senhora respondeu que não. Eu vi o que aconteceu, mas, estava tão atenta a história de “A cidade do sol”, que estou relendo, que nem estava prestando atenção àquele gesto. Até que o menino me cutucou. “Moça, a senhora quer sentar aqui?” Diante da minha resposta negativa, ele, senti que, até com um pouco de vergonha por ter se adiantado, reforçou a pergunta: “Tem certeza?”. Dessa vez, minha resposta foi positiva e o vi sorrir, com o aparelho dental todo colorido.

Achei nobre que, naquela idade, onde os meninos se acham “os todos poderosos”, ele tenha se preocupado em perguntar às pessoas mais velhas (sim, já estou me encaixando nesse quadro e essa é a parte mais chata da história), tenha se preocupado em agir corretamente sabendo que a preferência não seria dele. Nem me lembrei que, minutos antes, eu estava julgando esse mesmo menino e protegendo minha mochila de um possível furto.

Eis que chegou minha estação, continuava distraída e sai sem prestar atenção que o menininho tinha saído junto comigo. Impossibilitada de ler e caminhar ao mesmo tempo, fechei o livro e quando olhei para o lado, ele me sorriu, com um sorriso maroto dos meninos de 12 anos. No seu ombro, uma caixa de madeira dessas de sapateiro que, muito provavelmente, era seu instrumento de trabalho. Percebi que ele sorriu pra mim como quem compartilha da felicidade de chegar em casa depois de mais um dia de uma longa jornada de trabalho. Assim como eu, estava cansado. Por isso se agachou, por isso correu para sentar, por isso ficou feliz, com o aparelho à mostra, quando eu disse que o lugar era dele.

Com uma dorzinha no peito e coração apertado, sorri pra ele e parei no banco para escrever sobre esse sentimento e não me deixar esquecer de que a mesma sociedade que na qual eu me baseei para não me sentir culpada por me proteger de um menino de 12 anos é a sociedade que tem medo do meu irmão na rua por ser negro, é a que julgou meu pai por anos por ser negro, é a que tem medo dos meninos que passam fome nas ruas e que certamente pré julgará um filho meu no futuro.

Pensei nisso e senti vergonha de mim.


São Paulo, 05/05, 20:53