sexta-feira, 6 de maio de 2011

Vergonha de mim

O trem estava lotado. O espaço que consegui não seria o suficiente para mim, meu livro aberto e minha mochila. Optei por continuar lendo e coloquei a mochila no chão, entre meus pés. À frente dela um menino que aparentava ter, no máximo, 12 anos. Estava agachado, parecendo tentar escapar daquela multidão e, claro, descansar. É só um menino. Cheguei a questionar, conversando comigo mesma, porque a mão não o teria deixado sentar no seu colo.

Pois bem, receosa, virei a mochila de modo que o fecho aclair ficasse bem próximo da minha perna e eu sentiria, caso o menino tentasse mexer. Não me senti culpada por isso. Infelizmente, nossa história em sociedade me permite essa autodefesa (queria eu poder viver sem desconfiar das crianças!). Segui viagem e depois da 3° estação desencanei. O menino mal olhou para o lado.

Na última estação antes da minha vez de descer, a moça que, antes, eu pensei ser a mão daquele menino se levantou e saiu do trem. Rapidamente o menino tomou seu lugar e, na mesma velocidade, acho que viu que teria que dar a preferência para outras pessoas. Olhou em volta, escolheu uma senhora e perguntou: “A senhora quer sentar?” e a senhora respondeu que não. Eu vi o que aconteceu, mas, estava tão atenta a história de “A cidade do sol”, que estou relendo, que nem estava prestando atenção àquele gesto. Até que o menino me cutucou. “Moça, a senhora quer sentar aqui?” Diante da minha resposta negativa, ele, senti que, até com um pouco de vergonha por ter se adiantado, reforçou a pergunta: “Tem certeza?”. Dessa vez, minha resposta foi positiva e o vi sorrir, com o aparelho dental todo colorido.

Achei nobre que, naquela idade, onde os meninos se acham “os todos poderosos”, ele tenha se preocupado em perguntar às pessoas mais velhas (sim, já estou me encaixando nesse quadro e essa é a parte mais chata da história), tenha se preocupado em agir corretamente sabendo que a preferência não seria dele. Nem me lembrei que, minutos antes, eu estava julgando esse mesmo menino e protegendo minha mochila de um possível furto.

Eis que chegou minha estação, continuava distraída e sai sem prestar atenção que o menininho tinha saído junto comigo. Impossibilitada de ler e caminhar ao mesmo tempo, fechei o livro e quando olhei para o lado, ele me sorriu, com um sorriso maroto dos meninos de 12 anos. No seu ombro, uma caixa de madeira dessas de sapateiro que, muito provavelmente, era seu instrumento de trabalho. Percebi que ele sorriu pra mim como quem compartilha da felicidade de chegar em casa depois de mais um dia de uma longa jornada de trabalho. Assim como eu, estava cansado. Por isso se agachou, por isso correu para sentar, por isso ficou feliz, com o aparelho à mostra, quando eu disse que o lugar era dele.

Com uma dorzinha no peito e coração apertado, sorri pra ele e parei no banco para escrever sobre esse sentimento e não me deixar esquecer de que a mesma sociedade que na qual eu me baseei para não me sentir culpada por me proteger de um menino de 12 anos é a sociedade que tem medo do meu irmão na rua por ser negro, é a que julgou meu pai por anos por ser negro, é a que tem medo dos meninos que passam fome nas ruas e que certamente pré julgará um filho meu no futuro.

Pensei nisso e senti vergonha de mim.


São Paulo, 05/05, 20:53

Um comentário:

Regina disse...

Vc escreve com o coração. Amei linda. bjs